Na noite da última quarta-feira (11/6), publicou a medida provisória (MP) 1.303/2025 e o Decreto 12.499/2025, em edição extra do Diário Oficial da União. Amplamente aguardados após a crise com a primeira proposta apresentada pelo governo sobre o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), os textos alteram a forma como aplicações financeiras, criptoativos, e seguros são tributados no Brasil, unificando alíquotas e ampliando o alcance de incidência sobre operações até então isentas.
O decreto do IOF ainda pode ser derrubado, e o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), deve pautar um requerimento de urgência ao projeto de lei que susta os efeitos do decreto do governo. A informação foi dada pelo próprio parlamentar nas redes sociais. O Legislativo também pode derrubar a MP. Mesmo que isso não aconteça, os textos podem sofrer alterações durante as tramitações.
Caso permaneça como está, as mudanças podem impactar de investimentos na bolsa de valores até viagens para o exterior e planejamento com previdência privada. O JOTA levantou cinco principais pontos dos textos que podem impactar diretamente o dia-a-dia dos brasileiros.
1) Imposto de 17,5% para aplicações financeiras e criptoativos
A MP 1.303/2025 unificou a alíquota do Imposto de Renda sobre rendimentos de aplicações financeiras e ativos virtuais (como criptomoedas) para 17,5%, a partir de janeiro de 2026. A nova regra vale para títulos públicos e privados, fundos, ações, derivativos e para ganhos líquidos de operações em bolsa de valores. A cobrança será feita diretamente na fonte e, depois, ajustada na declaração anual.
Antes, por exemplo, a alíquota para investimentos de longo prazo, após dois anos, era de 15%. Mesmo quem fez esses investimentos sob essas regras antes será afetado. A nova alíquota de 17,5% vale inclusive para aplicações feitas antes de 2026, se ainda estiverem ativas em janeiro do ano que vem. A única exceção, conforme o texto da MP, são títulos emitidos até 31 de dezembro de 2025 que eram isentos ou tinham alíquota zero, que manterão o regime antigo.
“Como o fato gerador é a apuração do ganho efetivamente, e o ganho efetivo só acontece em 2026, então já é necessário pagar a nova alíquota”, diz Ana Claudia Utumi, sócia-fundadora do Utumi Advogados. “De qualquer maneira, é uma insegurança jurídica porque é uma tributação adicional inesperada.” Para ela, há a possibilidade de, dependendo das condições do mercado, de que alguns investidores se desfaçam dos ativos antes do fim de 2025, para evitar a cobrança maior em 2026.
2) IOF mais caro em operações de câmbio e transferências internacionais, como Wise e Nomad
O decreto 12.499/2025 aumentou a alíquota do IOF para 3,5% em diversas operações de câmbio, incluindo compra de moeda em espécie, carregamento de cartões pré-pagos internacionais, transferências para contas próprias no exterior e saques e pagamentos em arranjos internacionais. Com isso, veda a possibilidade de transferências internacionais com alíquota zero de IOF em determinadas condições.
Isso impacta diretamente plataformas que trabalham com remessas online, como Wise e Nomad. Até então, para transferência entre contas de mesma titularidade, era válida a alíquota geral de 0,38% ou, em alguns casos, zero, a depender da forma como a operação era estruturada. Na prática, essas fintechs permitiam que o usuário transferisse reais do Brasil para uma conta internacional em seu nome (por exemplo, uma conta em euros na Europa), e usasse esse saldo para saques, compras ou investimentos.
Isso era possível porque o decreto anterior sobre o tema, de número 6.306/2007, não previa alíquota específica para operações deste tipo. Na ausência de previsão expressa, bancos e fintechs interpretavam que não havia incidência. Isso muda, pois o novo decreto acrescenta o inciso XXI ao artigo 15-B do decreto 6.306/2007, prevendo especificamente essa situação: “nas liquidações de operações de câmbio para transferência de recursos ao exterior, com vistas à colocação de disponibilidade de residente no País, ou de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim […] – alíquota de 3,5%.”
A exceção é caso a transferência de recursos ao exterior tenha finalidade de investimento, quando a alíquota cai para 1,10%.
3) Investimentos antes isentos, como LCIs e LCAs, agora terão alíquota de 5%
A partir de 2026, novos títulos de LCIs, LCAs, CRIs, CRA, debêntures incentivadas, letras imobiliárias garantidas e letras de crédito do desenvolvimento, que até então gozavam de isenção ou alíquota zero, passam a ter tributação de 5% sobre os rendimentos. Já os títulos emitidos e integralizados até 31 de dezembro de 2025 continuam isentos, conforme regra de transição prevista no art. 41 da MP.
Para investidores de perfil conservador que montavam carteiras com base em LCIs e LCAs isentas, como alternativa segura e eficiente em termos fiscais, pode ser necessário rever a estratégia. Esses títulos eram bastante competitivos em relação a CDBs, fundos e outros ativos tributáveis. Agora, a introdução da alíquota de 5% diminui a rentabilidade líquida desses produtos. Caso não encontrem condições que os agradem, investidores podem passar a exigir taxas brutas maiores para aceitar esses ativos, encarecendo o custo de captação para os emissores.
Alguns setores, como habitação, agronegócio e infraestrutura, se destacam como emissores desses papeis – no período entre janeiro e abril, por exemplo, as debêntures incentivadas captaram R$ 55,1 bilhões, a maior marca histórica para o intervalo, segundo dados da Anbima. Por isso, podem ser os setores mais afetados. “Depois da mudança da tributação de fundos fechados, o instrumento de debênture de infraestrutura tem sido mais usado na carteira de investimentos”, diz Gabriela Miziara Jajah, sócia do escritório SiqueiraCastro. “Isso tem garantido um financiamento importante para a área de infraestrutura, que pode ser prejudicado com a incidência prevista na MP”.
4. Previdência privada com novo limite para isenção de IOF
O decreto também muda as regras para planos de seguro de vida com cobertura por sobrevivência, conhecidos como VGBLs (Vida Gerador de Benefício Livre), comuns na previdência privada. Até o final do ano, o IOF nos aportes em VGBL passa a incidir, com uma alíquota de 5%, somente sobre o valor que exceder R$ 300 mil, considerados a partir da data de entrada em vigor do decreto, e em uma mesma seguradora. A partir de 2026, aportes de até R$ 600 mil por ano serão isentos, enquanto os aportes acima disso pagam 5% de IOF sobre o excedente.
“O que tinha sido dito antes é que o governo voltaria atrás do VGBL, não que eles iam aumentar as faixas e manter a tributação, como ficou”, diz Ana Claudia Utumi. De acordo com dados da Fenaprevi, a entidade que reúne entidades de previdência privada aberta no Brasil, cerca de 11,2 milhões de pessoas possuem atualmente ao menos um plano de previdência privada, cerca de 7% da população adulta do país. Dentre eles, o VGBL é majoritário, representando aproximadamente 63 % do total, cerca de 8,9 milhões de contratos.
5) Novas regras para compensações
A nova regra também impõe limites mais rígidos à compensação tributária, isto é, o direito de o contribuinte abater prejuízos que teve em investimentos dos lucros futuros obtidos com outros investimentos, reduzindo assim o valor do IR a pagar. Até agora, antes da MP, a Receita Federal permitia compensar prejuízos em aplicações financeiras com ganhos de outras aplicações, desde que todos fossem tributáveis na mesma ficha da Declaração de Ajuste Anual (DAA). Por exemplo: era possível compensar prejuízo em ações com lucro em fundos de investimento, ou perda em criptoativos com lucro em ações, desde que os rendimentos fossem tributados como renda variável ou ganhos de capital.
Agora, a compensação só pode ser feita dentro da mesma categoria (ações com ações, cripto com cripto), vedando a compensação cruzada. Há, ainda, a proibição expressa de compensar prejuízos em criptoativos com outros ativos. Além disso, há o prazo de até cinco anos para compensação – antes não havia limite de tempo.
Para empresas, também há novidades. A medida provisória traz novas hipóteses de compensações consideradas não declaradas, ou seja, créditos tributários utilizados fora das hipóteses legais, em desacordo com regras ou sem documentação adequada. Passam a ser vedadas, por exemplo, compensações com créditos de PIS e Cofins que não tenham relação com a atividade econômica da empresa, ainda que formalmente apurados no regime não cumulativo.
“Em um cenário pré-reforma tributária em que os contribuintes buscam recuperar todos os créditos fiscais, sobretudo os de PIS e Cofins que deixarão de existir, toda a restrição na compensação de créditos, ainda mais direcionada para esses tributos, é preocupante”, diz Jajah, do Siqueira Castro. “Isso pode impactar os contribuintes na transição para o novo sistema”.
Fonte: JOTA